segunda-feira, 5 de julho de 2010

A crueldade do mundo homossexual masculino

Na ânsia de nos integrarmos de vez na sociedade ‘heterossexista’ que aí está e deixarmos de lado as décadas de marginalidade que cerca a homossexualidade, penso que estamos também – e infelizmente –”comprando” comportamentos da cultura heterossexual que na verdade não queremos ter ou deveríamos não querer. Não concorda? Vamos então, juntos, a uma boate gay. Qualquer uma.
Por Ricardo Rocha AguieirasDo Armário X
Música, muito dance e muito drink, olhadas e paqueras que tanto bem fazem ao nosso ego. Mas, infelizmente, não é apenas isso o que acontece. Começando que, se você não usa o uniforme oficial, ou seja, roupas de grife e da moda, já pode ser considerado uma carta fora do baralho e não será considerado como um colega ou um eventual parceiro. Sempre vi a homossexualidade como algo fortemente transgressor e revolucionário. Penso que a força demolidora do nosso sexo e amor seria capaz de criar uma nova sociedade, muito diferente dos parâmetros da atual.



Você é forte, malhado, “sarado”? O termo “sarado” já é carregado de preconceitos e significados, afinal passa a idéia que todo o corpo que não for malhado seria o quê? Doente? Doente é o antônimo de sarado. Ou seja, a nossa aquisição da sociedade heterossexual começa já aí, na ditadura da estética e da juventude eterna. Tem coisa mais cruel que isso? Cruel principalmente por ser uma mentira, uma mentira tão cultivada, cultivada com tanto afinco.


Mais dia ou menos dia, todos iremos envelhecer. Portanto, como podemos cobrar do outro um fato que é natural, que não dá para ir contra? Alguém mais velho pode ser considerado inferior? Mas você é jovem, ainda não chegou aos 28, faz diariamente três horas de academia e escapou de mais essa.


Você é afeminado? O mais correto seria perguntar: você é MAIS afeminado que eu? Se for, estou fora. Pois é, julgamos o nosso próximo pela carga de feminilidade que ele carrega. Num mundo que valoriza o homem, o macho, a masculinidade, a virilidade, o tamanho do pênis, ser ou não feminino deixa de ser apenas um jeito de alguém para ser uma qualidade – ou melhor, um defeito – desse alguém. Certo, você é viril ou até sabe disfarçar a sua feminilidade e deixá-la vir à tona apenas na solidão do seu quarto, portanto, livrou a cara nessa também.


A música aumenta e começam os shows da noite. Vem a drag da moda no palco sempre muito aplaudida. Ela está atenta na platéia, procurando uma ou várias vítimas. E vai encontrar. Quanto mais frágil, mais inocente ou mais simples, mais tímido for esse menino, mais útil ele será às crueldades que a artista irá aplicar: humilhações, gozações várias, exposição pública de possíveis defeitos, etc.

Quanto mais sarcástica e cruel essa drag for, mais aplaudida será afinal a vítima é o outro e não eu. Como não sou eu, não sinto na minha pele o que fazem com ele. Não me identifico com ele. Até acho legal que existam sempre as vítimas e os carrascos, desde que eu nunca seja a vítima e como eu quero desesperadamente fazer parte daquele grupo, eu aplaudo também. Esse é o nosso show, o show visto nas boates gays.


Por isso que me sinto tão desiludido quando vejo gays reproduzindo papéis e comportamentos tão negativos e que machucam tanto. E mais, nessa reprodução há uma armadilha. Uma cilada que irá cobrar um alto preço, mais tarde, quando não existir nem tempo mais para o arrependimento.



A sociedade que aí está foi construída por heterossexuais, segundo os valores deles. (Somos minoria, alguns falam em 10% da população, outros menos.) Mesmo que eu considere a visão maior/menor preconceituosa e reducionista, tenho a certeza que esta sociedade não é feita para os menores.

Valores esses que não precisaríamos comprar: o machismo exacerbado antes de tudo, o futebol em detrimento da arte e da cultura, o Ter antes do Ser, o culto das aparências, vivemos em nome de uma imagem a tal ponto que nem sabemos mais quem somos no final das contas.


A sede pelo dinheiro, a banalidade sexual. Vejo cotidianamente gays se entregando para uma autentica miséria sexual, outra forma de crueldade consigo e com outros: pegação em banheiros públicos, cinemões, shoppings, parques etc e ponto. Se contentam com isso.

Nada contra a pegação, mas também nada contra o amor e a revolução. Nada contra usar o soberbo poder do sexo para mudar o mundo. Nada contra os que procuram entrega nas suas relações e nos sentimentos. Não usar de toda a nossa força também é cruel. Boicotes e auto-boicotes, idem.



O portal Armário X foi idealizado por Fabrício Viana e criado no início de 2003 por mais 11 integrantes com a finalidade de levar informações gratuitas a respeito da homossexualidade. Atualmente ele NÃO É ATUALIZADO. Devido a quantidade grande de informações importantes dentro do Armário X, a equipe decidiu deixá-lo no ar para consultas. Leia este e outros textos do Armário X clicando aqui.

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