domingo, 11 de julho de 2010

A importância do reconhecimento à união homoafetiva

A união de pessoas do mesmo sexo passou a ser discutida com mais intensidade, nos últimos anos, tanto na sociedade quanto no mundo jurídico. A indagação consiste na classificação deste tipo de relacionamento como entidade familiar ou união de fato.
Por Larissa Pinho de Alencar Lima*
Do Portal Conjur


A questão é complexa e de alta relevância social e jurídico-constitucional. Alguns doutrinadores sustentam o caráter fundamental do direito personalíssimo à orientação sexual. Outros defendem a qualificação jurídica das uniões homoafetivas e são favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1º, da Lei nº 9.278/96, que, ao regular o § 3º do artigo 226 da Constituição, reconheceu, unicamente, como entidade familiar, "a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".


O Código Civil de 2002 prevê em seu artigo 1.723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". Foram revogadas as mencionadas Leis nº 8.971/94 e 9.278/96 em face da inclusão da matéria no Código Civil de 2002, que fez significativa mudança ao inserir o título referente à união estável no Livro de Família e incorporar os princípios básicos das aludidas leis.


Contemporaneamente, os direitos dos homossexuais passaram a ser mais debatidos. Há uma tendência maior à sua aceitação no meio social e até mesmo nas decisões judiciais. Muitas são favoráveis à pensão por morte para companheiros de homossexuais, por exemplo. Inúmeros magistrados têm interpretado a união homoafetiva como uma sociedade de fato, uma vez que há um esforço dos companheiros destinados a um fim comum. Grande parte da doutrina, porém, considera que não pode haver casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fundamento: a diversidade de sexos é requisito fundamental para a caracterização do casamento, assim como a forma solene e o consentimento. Nessa linha, não se concebe a união homossexual com natureza jurídica de casamento.


Washington de Barros Monteiro conceitua o matrimônio como "a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos". Essa era a visão quase unânime dos juristas. Mas esse capítulo da história vem mudando.


Utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade, a Justiça tem revelado admirável percepção ao reconhecer o direito personalíssimo à orientação sexual. E ainda: da proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar.

Com decisões que privilegiam princípios constitucionais, a Justiça tem permitido que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes reflexos no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema tem o intuito de superar incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis. A análise do assunto por tribunais evidencia a urgência de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas.
É importante mencionar, neste ponto, a notável lição dada pela desembargadora Maria Berenice Dias em seu livro “União Homossexual: O Preconceito & a Justiça" (3ª edição, 2006, Livraria do Advogado Editora). A desembargadora afirma que: a Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características.

A sociedade evoluiu, as questões sociais se transformaram, as problemáticas se alteraram diante do contexto histórico jurídico sendo imprescindível uma mudança de mentalidade e igualmente, porque não, de razão, racionalismo, a evolução do conceito de moralidade, o abandono de crucificações cristãs e, além de tudo, a renovação do tema a ser positivado. Ventilar a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano.

A legislação deve evoluir e abarcar a proteção aos vínculos em que há comprometimento amoroso. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independentemente do sexo dos parceiros fazem jus à mesma proteção.

O assunto é tão relevante que vem sendo pauta dos tribunais superiores. O Superior Tribunal de Justiça autorizou, recentemente, a adoção de crianças por casal em relação homoafetiva. E está nas mãos do Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, ajuizada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, sobre o tema.
O governador defende a aplicação do regime jurídico das uniões estáveis, como prevê o artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do estado. Também está no Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, que pede o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Diante desse cenário, é preciso que o operador do Direito, o Judiciário e a sociedade fiquem atentos às mutações sociais e jurídicas na busca de evitar ou reduzir desproporções que separam o cidadão, a sociedade e o Estado mais igualitário.

 
*Larissa Pinho de Alencar Lima é juíza de Direito substituta e especialista e pós-graduada pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro.

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