quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Uma vida em risco: um caso de abuso sexual

Esta é uma história real:

Ele tinha 7, 8 ou 9 anos. Não lembra exatamente. O trauma foi grande demais e alguns detalhes sumiram de sua memória. Ele sempre foi uma criança tímida, reservada, e essa história nunca foi contada antes. Nem mesmo para si ele a relatava.

Todas as tardes, ele e um dos seus primos costumavam brincar na casa de um vizinho. Os dois estudavam na mesma escola pela manhã e passavam o dia juntos. À tarde, depois de terminados os deveres escolares, eles costumavam brincar na casa do tal vizinho. O homem era amigo da família há muito tempo e por isso era digno de muita confiança da parte de todos.

Como a mãe do menino tinha muito trabalho para fazer na parte da parte da tarde, mandava-o junto com seu primo para brincarem na casa do vizinho para que pudesse se concentrar em seu trabalho. Na casa do vizinho, ambos viam TV, desenhavam, jogavam. Nada demais. Tudo normal. Até uma certa tarde.

O primo não fora à escola, então o menino foi sozinho para a casa do vizinho. O vizinho tinha 30 e poucos anos. Isso ele também não sabe ao certo. A rotina, aparentemente, seria a de sempre: desenho, jogos, TV. Mas não foi. Ele também não lembra ao certo como tudo ocorreu. Só lembra que em dado momento estava sem roupas, deitado de bruços sobre a cama e com o homem sobre si, tentando penetrá-lo enquanto brincava com seu pênis.

Era tudo muito perturbador e desconfortável. Sob gritos de protesto, o homem parou. Se o ato foi concretizado, o menino também não sabe afirmar. Apenas alguns flashes lhe ocorrem quando estas lembranças lhe vem à mente e ele não consegue detalhar todos os momentos daquela tarde infeliz.

Depois ele voltou para sua casa e nunca mais voltou à casa do vizinho. À mãe sempre inventava desculpas para permanecer em casa e ela nunca desconfiou de nada ou se importou em saber o porquê desta repentina aversão. Se houve alguma ameaça ele também não lembra, mas o fato é que nunca tocou no assunto. Até hoje.

O vizinho mudou-se tempos depois e nunca mais se soube nada sobre ele. Hoje o menino é gay. Não. Ele não acha que houve qualquer relação entre os dois fatos. Desde muito antes daquela tarde ele já tinha um olhar diferenciado para os outros meninos. Mas sua relação com a homossexualidade foi fortemente influenciada por aqueles acontecimentos.

A confiança em si, nos homens, sua auto-aceitação. Foi tudo muito traumatizante e difícil de consolidar-se, pois sempre lhe vinha à mente aquela tarde. Ainda hoje ele sofre com a dificuldade de relacionar-se com outros homens por não conseguir confiar plenamente em suas intenções. Seja relação amorosa ou sexual, são poucos os momentos de entrega total. Ainda há o medo de que se repitam os fatos daquela tarde.

***


Assim como aconteceu com o garoto acima, diariamente milhares de meninos são vítimas de abuso sexual por parte de homens mais velhos, em geral, heterossexuais. Não raramente um vizinho, um amigo da família, um cunhado, um tio, um primo ou mesmo o pai ou mesmo um amigo, um irmão, um professor. Um homem mais velho e que veja com maus olhos o comportamento fora dos padrões para o gênero e idade do menino que quase sempre é tímido, sensível, frágil, amedrontado, o que para muitos são “sinais da homossexualidade”.

Crescidas, estas crianças, gays ou não, passam a lidar com todos os traumas gerados pela agressão sofrida e pela desatenção dos pais que não souberam interpretar que aquele medo nutrido por aquele que antes era um amigo tem uma causa real e não é apenas um capricho infantil.

Sem este sistema de apoio, mesmo tendo sofrido agressões, esses garotos não denunciam nem relataram o fato a absolutamente ninguém. Não que eles prefiram vivenciar essa experiência de forma isolada e solitária a compartilhá-la com alguém, mas, existe, nesse caso, o temor de serem revitimizados por pessoas próximas ou por autoridades policiais, de serem agredidos novamente nas delegacias ou em casa e terem seu sofrimento aumentado. Isso porque existe uma aceitação no Brasil em relação a esse tipo de violência e discriminação.

Mais que isso, imagine para um menino, sobre o qual os pais depositam todas as expectativas e que desde cedo o tratam como o ‘macho pegador’ ter que assumir que sofreu uma violência desse tipo, sobretudo em uma fase da vida onde não há consciência sobre sua sexualidade. Pense em todas as confusões que isso suscita na cabeça despreparada de uma criança, de um menino, de um futuro homem. Os meninos não são preparados para serem subjugados, por isso a decisão de muitos de calar-se.

Uma vez adultos, se gays, estes meninos tem problemas em aceitar esse traço das suas personalidades. Muitos preferem lutar contra o desejo de deitar-se com outro homem pelo asco que isso passa a lhes representar e tornam-se homofóbicos, condição que é ainda mais severa caso se trate de um heterossexual pelo medo doentio que este passa a ter de ser rotulado como homossexual.

Felizmente, os danos físicos permanentes como conseqüência do abuso sexual são muito raros. As reações das crianças ao abuso sexual diferem com a idade e com a personalidade de cada uma, bem como com a natureza da agressão sofrida. Muitos jovens abusados continuam atemorizados e perturbados por muito tempo, às vezes, pela vida toda.

As sequelas do abuso sexual podem ser de ordem psíquica, sendo um relevante fator na história da vida emocional desses futuros homens como problemas conjugais, psicossociais e até mesmo transtornos psiquiátricos. A maior e pior das sequelas é que este menino que sofreu abuso sexual na infância pode ser o homem que abusa sexualmente de outros meninos.

Os danos à personalidade, como os futuros sentimentos de traição, desconfiança, hostilidade e dificuldades nos relacionamentos, sensação de vergonha, culpa e auto-desvalorização, da baixa autoestima à distorção da imagem corporal, dentre outros, são irreversíveis.

E por que tudo isso? Porque desde a infância a criança sofre com o preconceito ante o seu comportamento sexual “inapropriado”.

9 comentários:

Tuka. disse...

Bom dia Jock, primeira vez que comento em seu blog, e quero continuar comentando.
Realmente, isso é um fato muito, mas muito traumático mesmo, e por esse trauma ser tão grande, é que esse menino está completamente bloqueado e não se recorda exatamente o que ocorreu.
Isso acontece sim, quando um fato é muito traumático, a pessoa bloqueia e não lembra, isso é uma capa inconciente da pessoa.
Parabéns pelo post, é sempre bom tocar em assuntos assim, para que isso não morra, para que se tente mudar o comportamento e a cabeça da sociedade, porque é facil julgar, agora só quem sofre quqlquer tipo de agressão, tanto fisica quanto pscicológica sabe, o quanto é difícil sair do problema.
Bjs.
Tuka.

Lilah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lilah disse...

A dor do abuso é a dor da traição da inocência, da confiança que aquela tem no adulto. E isso mexe com a capacidade de confiar nos outros. Mesmo depois de crescido ele se pergunta: posso confiar? Ou será que ele(a) vai me machucar?
Na caeça daquela criança pequena, o agressor ganha o tamanho de um monstro inalcansável, indestrutível. E qualquer situação semelhante faz com que tudo volte.
A terapia pode ajudar a entender que ele não teve culpa e se liertar do medo que fica.
Belo texto para um assunto difícil e dolorido. Beijos, amado!

(seu sistema de comentários me odeia)

Francisco Saldanha disse...

Estranho saber os que deveriam proteger são os primeiros a machucar..

abraço.

Ricardo disse...

Hum que assunto chato né, sim é chato mas nem por isso deve ser ignorado e foi justamente o contrario que vc fez. E isso é muito bom, cara isso acontece muito chega é tão banal mais muito comum, o que é lamentável!
Gostei do que li , Abraços!

Dani_V_ disse...

Que assunto doloroso, mas tao real nos dias de hoje. Sinto muita angústia quando leio notícias sobre agressoes desse tipo em criancas q deviam apenas conhecer o mundo das brincadeiras, do amor, das risadas e da magia.....
bjsss

Bruna Castelo Branco disse...

Parei aqui no blog e fiquei completamente reflexiva a respeito, pois é um assunto tão comum e que muitas vezes é ignorado. É doloroso viver e/ou escrever sobre o tema. Muito sensivel a forma de sua abordagem e é um alerta importantissimo
beijos, querido!

Anônimo disse...

Isso e lamentavel...
Meu noivo, que tem 22 anos foi abusado quando tinha 10 ate os 15 anos pelo padrasto .... Ele so me contou quando quando nos tava fazendo 1 ano de namoro eu ja estranhava pois ele nao procurava sexo ..era muito estranho mas tavamos vendo tv e passou eu reportagem de um garoto que foi violentado ..... Entao meu namorado ficou muito nervoso e envergonhado passou a o dia calado ..entao a noite ele me contou eu fiquei em xoque , mas da vez de nosso namoro ficar ruim ..mas foi diferente ficou mas forte e eu dou todo amor e todo carinho ..que ele numca recebel quando criança ...... Eu tive muita passiencia eu descobrir porque ele numca procurou sexo .... pois ele era virgem ..... A nossa primeiras vezes forao conplicadas...levei ele ao picicologa, passou hum bom tempo indo lá e vai ainda só pra conversa e tas coisas .... Mas hoje graças a deus ta tudo otimo nos vamos casar a data tá marcada e pessoas a deus que nossa vida seja feliz ...... S2 obrigado ... Ass: Viviane

Jock Dean disse...

Viviane, obrigado pela visita. Esse tipo de apoio é super-importante para uma vítima de abuso. Muitas vezes, elas são vistas como culpadas pelo abuso que sofreram. "Deve ter se insinuado", é isso que muita gente comenta, mas, mesmo no caso de uma pessoa adulta, quando ela se insinua para alguém e depois desiste e a pessoa a força, ela não pode ser culpada, pois não. Parabéns pela sua postura.

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