terça-feira, 21 de junho de 2011

Janelas

“Resista ao impulso de se atormentar. Saia e faça algo de bom por alguma outra pessoa. Invista um pouco de tempo ajudando os outros com os seus problemas. Quando você sai do próprio caminho as soluções vem a você quando você menos espera.”

 
Todos nós. Sim! Todos nós em algum momento da vida somos egoístas, incompreensivos, preconceituosos, injustos, mesquinhos, enfim, em algum momento das nossas vidas nós faremos algo que talvez recriminemos. E isso pode acontecer por uma série de motivos. Talvez nem nos demos conta de quando o formos. Tudo na vida depende de oportunidade.

Somos 6 bilhões de pessoas em um mundo com outros tantos bilhões de problemas a serem resolvidos e sozinho cada um de nós pode fazer muito pouco para isso, mas o fato é que se esse pouco for o máximo que pudermos fazer para amenizar esses problemas por que não fazê-lo? Acontece que sempre esperamos que alguém tome a iniciativa. Não é que devamos nos penitenciar por tudo de ruim que acontece todos os dias mundo afora, mas se há algo, por mínimo que seja, que possamos fazer, façamos!

Há algo que quase nunca fazemos e que, além de não custar um único centavo ou mais que cinco minutos da nossa vida, pode ser feito sem que ninguém saiba, caso prefiramos: colocar-se no lugar do outro. Para isso basta que usemos aquela, dizem, capacidade que nos difere dos demais seres vivos, o raciocínio. E claro, precisamos de boa vontade e disposição. Mas nada disso custa algo.

Eu sou jornalista. Ontem estava rodando alguns arraiais da cidade. Mais uma noite dentre tantas outras que já tive e terei de cobertura jornalística. Mas houve algo que me chamou atenção e não foram os grupos de bumba meu boi que se apresentavam nos terreiros. De repente, à minha esquerda, em frente a um bar da Praia Grande, bairro do Centro Histórico de São Luís (MA), uma certa movimentação na mesa de um casal me chamou atenção. Curioso, como todo ser humano e, sobretudo, como todo jornalista, me aproximei para saber do que se tratava.

Foi então que vi um garoto. Ele devia ter uns 9 ou 10 anos, quem sabe 11, não mais que isso. Ao redor dele, um grupo de homens, um deles da Vara da Infância e Juventude, oficiais do Corpo de Bombeiros e policiais. Duas pessoas seguravam o menino pelos braços. Um dos oficiais do Corpo de Bombeiros e a mulher que estava à mesa acompanhada de um homem.

Decidi perguntar o que havia acontecido e alguém me informou que o garoto havia furtado algo do casal. Outro alguém me disse que o menino tinha ‘pego’ uma garrafa de água mineral e uma latinha de refrigerante. Não mencionei antes, mas quando a “confusão” começou um dos oficiais entregou ao casal uma garrafa de água mineral e uma latinha de refrigerante. Ambos lacrados.

Não pude acompanhar o desfecho da situação, afinal tinha trabalho a fazer, mas é provável que o oficial da Vara da Infância e Juventude tenha levado o garoto de volta para sua casa onde deveriam estar lhe aguardando os seus pais em alguma periferia da região central da cidade.

Na verdade, o que mais ficou na minha cabeça foi a expressão de total desespero no rosto daquele garoto. Cercado por dezenas de pessoas, preso por duas delas, eram notórios os sentimentos de medo, arrependimento e desespero daquela criança. Ele não queria estar ali. Ele não queria estar passando por aquela situação. Talvez ele não quisesse estar passando novamente pela aquela circunstância.

Fosse porque ele iria ser castigado pelos pais que talvez não soubesse do paradeiro do filho. Fosse porque ele iria ser castigado pelos pais, coniventes, por ter sido apanhado e por tão pouco e útil. Fosse porque ele não queria ser castigado por qualquer pessoa que o estivesse guiando ou mesmo obrigando-o a fazer aquilo. Fosse porque ele de fato não quisesse ter feito aquilo ou mesmo não estivesse entendendo porque tanta confusão por uma reles garrafa de água e uma latinha de refrigerante.

A mulher, a vítima (?) segurava firme o braço do menino com uma expressão de justiça (!) na face. Justiça para quem? Bem, o garoto pegou bens que não lhe pertenciam e a legítima dona os quis de volta. Correto. Justo. Legal. Ela não queria ficar com o prejuízo de... R$ 5? Mas e a criança? Que prejuízos aquilo trará para a vida dela ou, pior, qual o valor dessa conta que ela, talvez, venha acumulando há anos.

Afinal, por que alguém se arriscaria tanto por causa de uma garrafa de água e uma latinha de refrigerante? Eu tenho mais teorias. Talvez ele estivesse com sede e sem grana para a água. Talvez, além de sem dinheiro para a água ele também estivesse sem grana para o refrigerante e, além da sede, tenha lhe batido um desejo incontrolável pela bebida que muito provavelmente não costuma fazer parte da lista de compras de sua mãe. Talvez alguém mais estivesse com sede (de água e refrigerante) e tenha usado o garoto para escapar de uma pena mais severa que a que seria/foi aplicada ao moleque.

O fato é que nada justifica o furto, mas e todo aquele circo em volta de alguém sabidamente indefeso? Mas você pode estar pensando agora que se o casal apenas deixasse o menino ir embora com as bebidas isso poderia incentiva-lo a repetir o ato e, na certeza da impunidade, a cada nova ação ele pegasse itens ainda mais valiosos e, com tempo e a total corrupção moral, ele pudesse ousar algo ainda mais violento. Talvez você esteja correto tanto por pensar assim tanto pela previsão para o futuro do garoto. Eu não deixo de concordar, mas porque não fazer o que eu disse no início do texto: colocarmo-nos do lugar do garoto.

Eu realmente acho que os homens nascem bons e a sociedade os corrompe. É simplista demais achar que o mundo é maniqueísta como nas novelas onde há o mocinho virtuoso e o vilão viciado. Nós, as pessoas reais, somos os dois personagens ao mesmo tempo todos os dias.

Eu realmente não sei o que motivou aquele menino a fazer o que fez e realmente não acho que haja justificativa, mas daí a colocar cinco homens treinados atrás de um garoto. Também não sei como se deu a ação. Talvez o casal estivesse distraído ou talvez ele tenha apenas chegado de soslaio, pegado os dois objetos e corrido em meio à multidão.

É injusto pensar que todo marginal tenha tido uma infância miserável. Basta ler os jornais. Quantos jovens de famílias ricas comentem crimes. Quantos membros de famílias milionárias enveredam pelo caminho da ilegalidade. Minha família é pobre, passamos por algumas dificuldades, mas hoje eu sou um homem com curso superior e um emprego. E é nesse ponto que eu queria chegar. O que me fez vencer na vida foram as oportunidades que tive.

Até hoje tenho ao meu redor pessoas que me incentivam a crescer. Gente que me abre portas ou mesmo janelas. E aquele garoto? Talvez ele não tenha quem lhe mostre o valor e a importância da educação ou talvez ele apenas não queira mesmo ir a escola. Mas alguém rejeitaria algo que não conhece? Será se os modelos que chegaram a ele não foram equivocados. Eu nunca comi jiló e se alguém me pergunta porque eu digo que é porque é ruim. Mas, espere, como eu sei que é ruim se eu nunca comi? Oras, ninguém nunca me disse que jiló era bom. Tudo que me chega sobre o vegetal me faz crer que deve ficar longe dele.

E se acontece o mesmo que o pequeno? Será se ele tivesse quem o incentivasse a ir para a escola, a estudar nos horários vagos, se ele tivesse alguma atividade (esportiva ou cultural) que preenchesse seu tempo ocioso que o mantivesse longe das oportunidades negativas ele não fosse um garoto diferente? Talvez não. Mas por que não tentar? Por que não oferecer oportunidades melhores a essa pessoa? Por que apenas vigiar e punir e não vigiar e educar? Talvez seja mais barato apenas castigar. É mais rápido também. Mas com certeza não é vantajoso.

E o que tudo isso tem haver com se colocar no lugar do outro? Bem, e se fosse você ou seu filho nessa situação? Você iria querer de ser apenas condenado e não oportunidade de defesa? Ah, esqueci. Certas coisas não acontecem na casa da gente. Por sorte seu filho será muito bem educado e não cometerá delitos. Então você não tem porque se preocupar com isso. Seu filho não precisará desse tipo de ajuda. Mas e se for o garoto for o filho do vizinho? E se o casal da mesa for você? Não seria melhor ter evitado essa situação?

O fato é que para alguém e em algum momento, todos nós somos anjos ou demônios. Tudo depende do lugar de onde se vive. Somos humanos, afinal.

Nota do autor: E antes que eu, e você, nos esqueçamos de que este é um blog voltado, principalmente, para o público LGBT, uma pergunta: como você acha que alguém se torna preconceituoso?

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