terça-feira, 15 de novembro de 2011

Querer


“Agora descubra de verdade o que você ama e tudo pode ser seu”.
(Antonio Cicero/Marina Lima)

Às vezes, se quer tanto alguma coisa que agimos como se a tivéssemos. Como em uma gravidez psicológica. Inconscientemente desenvolvemos hábitos típicos de quem tem esse algo e nos comportamos como se tivéssemos perdido o interesse. Não buscamos. Não caçamos. Não olhamos para o lado. Olhamos apenas para frente. Para dentro. Não é que tenhamos desistido; apenas nos desajustamos nessa procura.
Estamos tão certos da nossa gravidez que todo mundo em volta acredita nela e junto conosco veem nossa barriga crescer, partilham dos nossos enjoos, sentem o bebê mexer... mas em algum lugar, mesmo que distante dos olhos de todos aqueles que nos rodeiam, sabemos que não existe nada ali. Que a vaga continua ansiosa de ser preenchida, mas ainda assim nos apegamos a essa criança e ninguém percebe que tudo isso não existe.
Troque a gravidez por um amor e o bebê pelo amado. Sua ânsia é tamanha que você age com se o bebê estivesse ali dentro da sua barriga. “Como está o namorado?”, alguém te pergunta. “Eu sou solteiro”, você responde. “Não parece”, ele retruca. Não parece porque você já está psicologicamente grávido. Tanto que você não sai por aí ficando com qualquer um. Você não procura. Você não caça. E mesmo quando o sangue irriga-se ao máximo, ainda assim existe um criterioso processo de seleção.
E você não olha para o lado. Não olha porque, mesmo quando não sabe o que quer, sabe o que não quer. E você não quer aquele que tem algo a oferecer. Você quer aquele que tem algo a oferecer para você. Você quer aquele que seus olhos, sua pele, seu sangue, seu coração elegeu. Você quer apenas um peixe e não todos os do rio.
Uma dança, um beijo, uma noite, uma semana ou mês ou ano. Não importa se foi com aquele alguém específico. Não que você queira alguém com determinadas especificidades, como um prato que possa ser minuciosamente montado. O que você deseja é alguém que tenha um algo qualquer que, por menor que seja, em algum momento, um milésimo de segundo, você saberá que foi só seu, que foi pensado, direcionado e desejado para ser dado a você.
E assim, passam-se as músicas e você permanece lá dançando... e sorrindo. Não importa quem está ao redor. Não são eles. É ele! Quer dizer que se não se poder ter “o”, não vai se querer mais ninguém? Não. Só que naquele momento ninguém mais interessa. E é aí que todo mundo vê sua barriga crescendo. Você está tão certo que os outros são os outros e só que eles não se aproximam. Tudo bem, mas e depois? Você quer, mas está demonstrando que quer?
O que fazer então? Lamuriar-se que você não ama porque não é amado. Vítima? É esse o papel que você quer assumir? O de coitado?  Então, ame. Mesmo sem ser amado. Mesmo sem ser amado da mesma forma. Mesmo sem ser amado com a mesma intensidade. Mesmo sem ser amado pela mesma pessoa. Se entregue de corpo inteiro. Só não esqueça que essa entrega é totalmente questionável. Ninguém é unicamente de alguém pela eternidade. Basta virar o pescoço para acompanhar outro caminhar para deixar, ainda que por alguns segundos, de ser somente de um.
Somos seres feitos de desejos, vontades, angustias, ânsias, por isso desejamos outros e nem adianta negar. Desejamos aquilo que não temos. Queremos sempre mais. É o que nos move. Quando nos mantemos firmes diante de um desejo que  não é concretizado sofremos. Não é o que eu quero, eu não quero.
Diante de um desejo temos três escolhas. Concretizá-lo, redirecioná-lo ou renunciá-lo. Você nunca abraçou um pensando em outro? Talvez você não tenha percebido, mas esse um pode ter sentido um abraço ainda mais aconchegante que aqueles que sempre foram só dele e pode ter sido algo bom. Um momento único para ambos.
Se a gravidez é o seu objetivo, ótimo. Mas não esqueça que alguém precisa percebê-lo. Você não precisa aceitar menos que aquilo que realmente deseja. Não precisa ser qualquer um, mas alguém precisa chegar. O seu único compromisso é com a sua verdade, mas morrer por ela é meio Robin Hood. Portanto, deixe-a livre.

1 comentários:

Marfim Mosac disse...

Talvez caiba no sentimento/sentido do post:

"...Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu"
(Chico Buarque)

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