terça-feira, 22 de maio de 2012

Violência contra quem?

Nossa! Quanta insensibilidade, crueldade e ignorância as pessoas têm destilado na internet (seja em blogs, perfis no Twitter, Facebook ou outras redes sociais) e até em conversas olho no olho sobre a entrevista de Xuxa ao Fantástico no domingo.

Eu não assisti na TV. Quando vi as chamadas anunciando a reveladora (sic) entrevista de Xuxa pensei: “Aff! Xuxa?! Me poupe. Talvez quando eu tinha 7 anos”.  No domingo, fui dormir antes que o programa exibisse aquilo que parecia o seu maior trunfo para ganhar a guerra pela audiência dominical.

Mas diante de tanta repercussão fui em busca do vídeo no youtube na manhã seguinte, embora já soubesse, pelos comentários na internet, esta terra sem leis onde todo mundo fala o quem bem entende, o quão reveladora tinha sido a entrevista. Entre tantas declarações inimagináveis, pelo menos para mim, Xuxa disse que foi abusada sexualmente na infância e adolescência por diversas vezes.

Claro que vieram os comentários óbvios, e já esperados, daqueles que confrontaram a declaração de Xuxa com filme erótico do qual ela participou no início dos anos 1980, quando tinha 16 anos, em que se relaciona sexualmente com um garoto de 12 anos, Marcelo Ribeiro. Como alguém que molesta alguém de 12 anos de idade pode se sentir no direito de denunciar abuso sexual contra si enquanto tinha a mesma idade? Absurdo, não?

Por se tratar de um filme onde os dois atores, menores, protagonizariam cenas eróticas, imagino que os pais de ambos tenham assinado algum tipo de autorização judicial que permitiu a sua participação no filme. Não posso deixar de observar que os defensores da moral esqueceram que aquela que viria a se tornar a Rainha dos Baixinhos, “usando shortinhos curtos e justos na bunda sarada” (nossa, esse tipo de critica em um país tão machista quanto o nosso. Será que estamos evoluindo, enfim?), estava inserida sim no abuso sexual, flagrantemente denunciado por eles, não como culpada, mas como mais uma vítima, assim como Marcelo, e sob consetimento dos pais.

Mas o que realmente me chocou, entre os inúmeros absurdos que li, foi o fato de muita gente, muita gente mesmo, defender que a revelação feita por Xuxa seja apenas uma jogada para conseguir audiência. Xuxa começou sua carreira muito jovem. Foi modelo, atriz, sagrou-se apresentadora e ainda se lançou cantora e é verdade que os últimos anos não têm sido fáceis para ela no que diz respeito a sucesso. Eu mesmo acho que ela deveria ter se aposentado há pelo menos 10 anos.

Apesar disso, não consigo conceber a ideia de que uma mulher, aos 50 anos e com uma filha adolescente, viria a público se expor e a sua família de tal forma (é, parece que continuamos firmes e fortes no nosso machismo... ops!). Não estou defendendo Xuxa, deixei de ser fã dela antes dos 10 anos de idade, mas percebo que as pessoas parecem querer minimizar o fato dela ter sido mais uma entre tantas vítimas de abuso sexual na infância e adolescência, pior, parecem querer culpa-la do crime que sofreu.

Se for realmente mentira a declaração da apresentadora, por que ao invés de ficarmos jogando pedras nela, baseados em um achismo, (afinal, o que fazia de Maria da Graça tão imune a uma violência tão comum, ainda nos dias de hoje, apesar de leis mais rígidas e tempos mais esclarecidos?) não aproveitamos esse momento onde o assunto está em alta em todas as rodas de conversa e aproveitamos para discutir esse problema a fundo?

Me pergunto que tipo de pessoa prefere acreditar que alguém inventaria uma história dessas a se sensibilizar com sua dor. A mim não interessa se Xuxa foi ou não abusada, pois, ao que parece, de alguma forma ela superou bem esse possível trauma, mas enquanto eu escrevia esse texto, em algum lugar desse país um menino ou menina foi abusado e essa criança pode não superar bem a situação. É essa a minha preocupação: que nenhuma criança mais passe por isso.

Talvez quem critique a possível mentira da apresentadora prefira jogar essa sujeira para debaixo do tapete. Eu não. Boa parte desses casos nunca chega ao conhecimento dos pais, por vergonha, e a família, quando descobre, também por vergonha, não leva o crime ao conhecimento das autoridades, sobretudo porque não raramente o abusador é alguém da própria família, pai, padrastro, tio, ou um amigo próximo. Imaginem chegar em uma delegacia e denunciar que a filha foi violentada pelo pai ou que o menino foi estuprado pelo cunhado? E é na rasteira dessa vergonha que o crime e o molestador se fortalecem.

Esse tipo de crime é vergonhoso sim, mas não para a vítima, que quase sempre é vista culpada por tudo que lhe acontece, como gostamos de pensar os brasileiros. Esse tipo de crime é vergonhoso para quem o comete. Esse sim merece o escárnio que vem sido desferido contra Xuxa.

Por mais alguns dias, jornais, revistas, sites e programas, de culinária aos de fofoca, irão repercutir, de forma sensacionalista, o trauma de Xuxa (todo domingo o Fantástico exibe uma reportagem especial, não é mesmo?) e trazer à tona tantos outros de meninas e meninos infelizes até que algum outro artista tenha sua intimidade exposta e então todos nós busquemos uma nova vítima para culpar e esqueçamos do tema da última semana. E assim o país segue caminhando, jogando sujeira embaixo do tapete, fingindo que não existe homofobia, racismo, discriminação sexual... nossa, como é bom morar em uma nação evoluída.

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