quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Vencidos pelo cansaço



“Aquilo que o público realmente abomina na homossexualidade não é a coisa em si, mas o fato de ser obrigado a pensar nela.”

E. M. Forster


Pois é. Nós, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais existimos. Não se sabe ao certo como, quando ou porquê (se é que há uma razão específica) nós nos diferenciamos do restante da humanidade, mas o fato inegável, indiscutível e imutável é que nós existimos. E, sendo assim, temos direito a um lugar ao sol nesta imensidão que é o mundo.
Por muitos e muitos anos nos foi reservado a margem da sociedade. Ser LGBTT só era possível longe dos olhos de todos. Trancado no meu armário eu poderia ser quem bem entendesse, mas em público tínhamos que seguir as regras da sociedade.
Falando assim parece que a realidade mudou, mas nem tanto. Ao passo que cada vez mais gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais se sentem encorajados a deixarem seus armários, e alguns, dessa novíssima geração, sequer chegam a entrar nele, um outro grupo de pessoas cresce no lado oposto querendo nos manter no gueto. Aumentou o número de homofóbicos? Decerto que não, mas cresceu a necessidade de manter o status quo, afinal, quem poderia imaginar que algum dia nós poderíamos adotar crianças e trocar alianças como se fossemos pessoas normais?
Na mente dos donos da bola, nós éramos um incômodo controlado. Todo mundo sabia da nossa existência, alguns até eram nossos amigos, mas nós sabíamos o nosso lugar no mundo. Agora ficamos descontrolados. Lotamos audiências no Congresso Nacional protestando contra pessoas que só querem nos ajudar a ficarmos curados sabe-se lá do quê, nos reunimos em beijaços públicos na porta de lanchonetes que não deixam que nos beijemos tranquilamente, insistimos nessa chatice de transformar em criminosos gente que prefere externar, com socos e pontapés, que não gostam do que fazemos com nossos cus, paus e bocetas, entre tantas outras coisas.
Mas não é só isso. Na verdade, esse mundo está cada vez mais virado. Agora mulheres vão para as ruas reivindicando o direito de serem vadias. Negros precisam ter sua história estudada nas escolas públicas e o nome de Deus e suas representações não mais toleradas em repartições do Estado. Não é mesmo um absurdo tirarem o Seu bom nome das cédulas de Real?
Pois é. Que dias são estes que estamos vivendo? Onde vamos parar? O que deu em nós, viados, vadias, travecos, pretos, filhos de Satanás e tantos outros que passamos todo esse tempo vivendo em paz com Brunos, Diegos, Lobos e Malafaias, sem reclamar dos tapinhas e das piadas, para que provoquemos toda essa barulheira?
Todos os dias, pela manhã, eu cumpro o mesmo ritual. Saio de casa por volta das 7h para ir trabalhar. Pego ônibus sempre no mesmo ponto, que fica logo após a travessia de uma avenida, a 200 ou 300 metros da minha casa. E pelo menos uma vez por semana alguém que passa encastelado em seu carro ri e aponta de mim fazendo alguma piadinha com o fato de eu ser gay. Eu sou pintosa, daí sabem como é, néam? Basta me olhar para dizer “esse é viado”. Eu mal tenho tempo de esboçar qualquer reação.
Na maioria das vezes eu ignoro, afinal o cara passou de carro e não há nada que eu possa fazer, pois segundo depois de gritar um “Ê, bicha”, ele já vai longe do ponto de ônibus, mas algumas vezes, quando estou cansado demais e o engarrafamento está mais lento eu mostro o dedo do meio. Pois é, acho que todos nós, os Andrés segregados deste imenso Brasil estamos cansados demais para abaixar a cabeça e seguirmos nosso caminho.


2 comentários:

Lívia (Liv´s de Lórien/Liv´s From Lórien) disse...

Adorei, vc direto ao ponto! Texto super bem escrito! Te admiro muito!bjo grande!

Jock Dean disse...

Obrigado, Liv's pelo comentário. Andei meio sumido daqui, mas já estava com saudades e cansado e ver a banda passar. Temos que fazer o que for possível para que nenhum André mais passe por isso.

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