“Aquilo que o público
realmente abomina na homossexualidade não é a coisa em si, mas o fato de ser
obrigado a pensar nela.”
E. M. Forster
Pois é. Nós, gays,
lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais existimos. Não se sabe ao certo
como, quando ou porquê (se é que há uma razão específica) nós nos diferenciamos
do restante da humanidade, mas o fato inegável, indiscutível e imutável é que
nós existimos. E, sendo assim, temos direito a um lugar ao sol nesta imensidão
que é o mundo.
Por muitos e muitos anos
nos foi reservado a margem da sociedade. Ser LGBTT só era possível longe dos
olhos de todos. Trancado no meu armário eu poderia ser quem bem entendesse, mas
em público tínhamos que seguir as regras da sociedade.
Falando assim parece que
a realidade mudou, mas nem tanto. Ao passo que cada vez mais gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais se sentem encorajados a deixarem seus
armários, e alguns, dessa novíssima geração, sequer chegam a entrar nele, um
outro grupo de pessoas cresce no lado oposto querendo nos manter no gueto. Aumentou
o número de homofóbicos? Decerto que não, mas cresceu a necessidade de manter o
status quo, afinal, quem poderia imaginar que algum dia nós poderíamos adotar
crianças e trocar alianças como se fossemos pessoas normais?
Na mente dos donos da
bola, nós éramos um incômodo controlado. Todo mundo sabia da nossa existência,
alguns até eram nossos amigos, mas nós sabíamos o nosso lugar no mundo. Agora ficamos
descontrolados. Lotamos audiências no Congresso Nacional protestando contra
pessoas que só querem nos ajudar a ficarmos curados sabe-se lá do quê, nos
reunimos em beijaços públicos na porta de lanchonetes que não deixam que nos
beijemos tranquilamente, insistimos nessa chatice de transformar em criminosos
gente que prefere externar, com socos e pontapés, que não gostam do que fazemos
com nossos cus, paus e bocetas, entre tantas outras coisas.
Mas não é só isso. Na
verdade, esse mundo está cada vez mais virado. Agora mulheres vão para as ruas
reivindicando o direito de serem vadias. Negros precisam ter sua história
estudada nas escolas públicas e o nome de Deus e suas representações não mais
toleradas em repartições do Estado. Não é mesmo um absurdo tirarem o Seu bom
nome das cédulas de Real?
Pois é. Que dias são
estes que estamos vivendo? Onde vamos parar? O que deu em nós, viados, vadias,
travecos, pretos, filhos de Satanás e tantos outros que passamos todo esse
tempo vivendo em paz com Brunos, Diegos, Lobos e Malafaias, sem reclamar dos
tapinhas e das piadas, para que provoquemos toda essa barulheira?
Todos os dias, pela
manhã, eu cumpro o mesmo ritual. Saio de casa por volta das 7h para ir
trabalhar. Pego ônibus sempre no mesmo ponto, que fica logo após a travessia de
uma avenida, a 200 ou 300 metros da minha casa. E pelo menos uma vez por semana
alguém que passa encastelado em seu carro ri e aponta de mim fazendo alguma
piadinha com o fato de eu ser gay. Eu sou pintosa, daí sabem como é, néam?
Basta me olhar para dizer “esse é viado”. Eu mal tenho tempo de esboçar
qualquer reação.
Na maioria das vezes eu
ignoro, afinal o cara passou de carro e não há nada que eu possa fazer, pois
segundo depois de gritar um “Ê, bicha”, ele já vai longe do ponto de ônibus,
mas algumas vezes, quando estou cansado demais e o engarrafamento está mais
lento eu mostro o dedo do meio. Pois é, acho que todos nós, os Andrés
segregados deste imenso Brasil estamos cansados demais para abaixar a cabeça e
seguirmos nosso caminho.