sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sim!

Em sessão histórica, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a validade das uniões estáveis de casais homossexuais no Brasil. Mas essa decisão do Supremo está muito além dos direitos civis. Ela deixa claro que existe um forte descompasso entre os três poderes da república no país no que diz respeito à concessão de direitos aos homossexuais. Se o Executivo parece inerte e o Legislativo covarde, o Judiciário, mais uma vez, mostra-se uma instituição que está atenta às necessidades sociais dos novos tempos.

Já em 1986 o Supremo tomou sua primeira decisão favorável à causa LGBT e, contando com o julgamento desse 5 de Maio, foram 18 deferimentos positivos nesses 25 anos em que os tribunais de todo o país foram os principais responsáveis e provocadores de mudanças na forma como as as instituições da administração pública passaram a tratar os homossexuais. Quando alguns estados ou cidades aprovavam leis específicas para dar alguma garantia aos LGBTs, seus juízes já tinham deferido alguma decisão nesse sentido.

Percebeu-se, mais do que nunca, neste 5 de Maio, que o Judiciário cumpre uma função que é do Legislativo. A pauta do Supremo jamais deveria ser preenchida com discussões como a validade legal de uma relação entre dois homens ou se duas mulheres podem ou não adotar uma criança, aliás, esse tipo de debate não deveria acontecer no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Ora, sendo os gays cidadãos, membros da sociedade, a concessão de direitos, pelo menos os mais básicos, deveria ser algo natural.

Não há leis que amparem os gays dos atos de violência, mas eles são agredidos nas ruas todos os dias, então vamos criar mecanismos que inibam esse tipo de atitude. Não há amparo legal para a relação homossexual, mas eles apaixonam-se, decidem morar juntos, dividem a vida durante anos exatamente como fazem João e Maria, então vamos providenciar para que eles tenham os mesmos direitos.

E a quem compete criar os mecanismos que garantam o livre e pleno exercício desses direitos? Ao Legislativo. Se é que se deve debater a questão, que isso fique a cargo dos nossos Senadores e Deputados e não juízes. Eles foram eleitos pelos cidadãos como seus representantes para cumprirem essa função.

Outra diferença entre Judiciário e Legislativo que ficou muito clara e que fez/faz/fará toda a diferença é que valores pessoais não devem interferir nas necessidades coletivas. Em suas justificativas, os 10 ministros do STF deixaram que apenas as questões jurídicas pesassem sobre o tema. Não foi discutido se é certo ou errado, pecado ou virtude, mas legal ou ilegal. Se a lei não proíbe, por que os homens hão de fazê-lo? Simples.

Mas no Congresso as bancadas religiosas boicotam qualquer tipo de avanço social que seja destinado aos homossexuais. Com que direito? Com o que lhes foi concedido por Deus? Mas não foram os homens que lhes deram os votos? Então defendam os direitos dos homens, pecadores ou não, e deixem a Bíblia em casa.

Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que os direitos da união estável entre homem e mulher não devem ser os mesmos destinados aos homoafetivos, pois a união entre gays criaria uma nova categoria familiar, não devendo ser os direitos, já garantidos aos casais héteros, ser extendidos aos homossexuais, mas isso não o impediu de também reconhecer a existência e validade desse tipo de relação, bem como a necessidade de garantir diretos aos pelo menos 60 mil casais do tipo existentes no Brasil. Contradição? Não. Bom senso e ciência do importante papel que ele tem a cumprir com a nação.

E é isso que falta aos nossos legisladores. Impedir que suas convicções pessoais interfiram nas necessidades sociais. Existe um grupo de pessoas que é marginalizado, excluído, violado, cerceado, esquecido todos os dias e que, apesar disso, seguem suas vidas cumprindo os mesmos deveres políticos e sociais que seus algozes e essas pessoas precisam ser inseridas social, política e legalmente.

Um brasileiro não deixa de existir se, por qualquer motivo, ele não tiver o seu registro de nascimento. Ele apenas não tem acesso aos seus direitos mais básicos garantidos pela Constituição. Da mesma forma vivem todos os homossexuais desse país.

Eu não deixaria de dividir minha vida com um homem, maritalmente falando, só por que não há uma lei que reconheça isso, mas, se um dia eu precisar do amparo legal a que todo cidadão desse país tem direito, quero ter a certeza que meu direito está garantido, pois é direito ter direitos.

O Judiciário fez o que deve ser feito. Ignorou todos aqueles que não tem nada a acrescentar ao debate e que de forma alguma são/serão afetados com a simples existência de homossexuais e disse: “o que vocês pensam não deve importar. Os direitos do homem estão acima de qualquer opinião pessoal”.

O reconhecimento da união estável homoafetiva representa ainda o fortalecimento da luta da comunidade LGBT, organizada em entidades ou não, em busca dos seus direitos. Como disseram os próprios ministros do STF, a decisão representa um passo importante no caminho pelas diversas conquistas que estão por vir.

Na tarde do dia 5 de Maio de 2011 milhares de gays em todo o país disseram sim. Sim, o Brasil precisa mudar urgentemente para acompanhar a nova realidade que há muito se instaura. Sim, nós, homossexuais, estamos cada dia mais cientes dos nossos direitos (negados). Sim, nós exigimos que esses direitos sejam garantidos. Sim, nós não aceitamos mais qualquer tipo de discriminação ou tratamento diferenciado baseado no princípio da inferioridade. Sim, nós lutaremos mais aguerridos a cada dia para conquistar todos os espaços que nos foram furtados durante anos. Sim, nós ainda não vencemos o preconceito, mas demos o grito mais alto dentre os muitos que abafarão sua voz.

3 comentários:

Terla disse...

Estamos respirando história! Que maravilha. Que orgulho da mais alta corte desse país!
Agora precisas fazer um compilado das melhores frases de cada ministro!!!

Aline disse...

ai desu, eu quase choro. mto lindo o seu texto Jockin ^^

Bonter disse...

Não só os homoafetivos tem que lutar pelos seus direitos, como também todo heteroafetivo tem que fazer valer seu bom senso e ajudar.

Nessas horas onde a Fraternidade é importante a CNBB vai tentar fazer o mal, mas quando quer fazer campanha pra se promover aí lembra o significado da palavra...

Já vi acontecer de um "casamento" que quando o cônjuge morreu, a família que o jogou para fora de casa e maldisse seu nome foi lá correndo catar todos os bens e deixou o marido sem nada. Espero que isto nunca mais se repita nesse país.

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