terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A pior idade?!

No século XVII o conceito de infância como conhecemos hoje, não existia no mundo ocidental. As crianças eram vistas como “adultos em miniaturas”. Quando mostravam força, eram postas para trabalhar e assumiam responsabilidades de adultos, como o casamento, logo no início da puberdade, aos 12, 13 anos. Mais que isso, antes da Idade Moderna, a infância não passava de uma loteria entre a vida e a morte, pois as crianças morriam com muita facilidade devido à situação de negligência em que viviam.

Esse conceito, bem como o de família e vida adulta evoluiu ao longo dos séculos e o entendimento que temos hoje é herança, principalmente, dos ideais Iluministas. Na pirâmide social, ao longo do desenvolvimento sócio-cultural da humanidade, os adultos conquistaram o topo, mas os idosos, vistos como experientes e sábios, portanto dignos de respeito extremado pelos mais jovens, já estiveram no melhor lugar.

Porém mais recentemente, a juventude, ou os atributos tipicamente relacionados a ela, tem ganhado mais destaque nas relações sociais e, ainda que os jovens não ocupem o lugar mais alto da estrutura social, são suas características, como virilidade, força e sagacidade, que garantem o melhor lugar ao sol e no já tão preconceituoso mundo gay isso fica muito evidente quando falamos das cacuras ("bichas velhas"). É notória a desvalorização social e sexual das pessoas mais maduras, em especial entre os homens homossexuais.

Bastam cinco minutos em um local de ‘caçação’ que, ao menor sinal de um gay que já tenha passado dos 40 e sem muito cuidado estético com a aparência, também à procura de uma transa fortuita, que logo começa a sessão de piadas perjorativas como: “vai pra casa, tia!”; “veio buscar o netinho vovó?”. Ou quando não se diz coisas ainda mais pesadas: “o que essa velha quer aqui?”; “essa cacura não tem vergonha de ficar caçando com essa idade?”.

E tem ainda aqueles jovens gays que só se aproximam do “tio” por que ele tem um carro do ano, oferta presentes interessantes, enfim, tem algo além do seu corpo e afeto para oferecer. Claro que há entre esses muitos homens que nunca tiveram coragem de assumir sua sexualidade e passam a vida procurando o seu verdadeiro prazer nos locais que lhe são possíveis. Mas há também os que são rejeitados pura e simplesmente por “serem velhos”.

Ora, parece que nos esquecemos envelhecemos todos os dias, pior, empurramos essa parcela da comunidade LGBT à solidão como se ela não tivesse direito ao sexo, ao prazer, ao orgasmo, ao afeto, à felicidade. Ou talvez até saibamos disso, mas de forma equivocada, afinal, quantas vezes já ouvi meus amigos gays falarem que precisam arrumar alguém antes dos 30 anos por que senão terão o mesmo destino “daquele velho que vive caçando no banheiro do shopping”.

Engraçado como não queremos isso para nós, mas não nos importamos nem um pouco se contribuímos para que a vida do outro assim seja. Egoísmo? Imaturidade? Um pouco de ambos, talvez. No mundo sexual masculino parece haver uma super-valorização de um comportamento sexual baseado no princípio da quantidade. Um jovem tem maior facilidade de transar mais homens em uma única tarde de sauna gay, sua virilidade juvenil lhe garante isso.

Mas e quando formos a cacura da vez? Como lidaremos com nossa falta de resistência física para aproveitarmos uma tarde inteira da nossa tenacidade sexual? Tudo bem que ao longo da vida nossas prioridades sexuais e afetivas mudem, mas não custa lembrar que o caminho que estamos trilhando hoje foi construído pela “tia velha do banheiro” e que temos muito que aprender com ela, com suas dificuldades, erros e acertos.

E o mais importante, não custa lembrar que respeito é algo do qual nunca abrimos mão, em qualquer fase da vida. Há sim os que preferem os homens mais velhos, assim como há os que se excitam com os “gordinhos”, os que tem fetiche pelos meninos "magrinhos”, ou os que só se atraiam pelo saradão da praia. Nada mais normal. O desejo sexual é um leque imenso e inexplorado de possibilidades, mas isso não nos dá o direito de esnobar o que não nos enche os olhos. Beleza, atração, charme não são coisas que perdemos com a idade, apenas passamos a expô-las com outros tons.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Transexual entra com pedido inédito de registro do nome social no Maranhão

A Defensoria Pública do Maranhão entrou, na quinta-feira, (20), com um pedido de redesignação de sexo e nome no registro de nascimento do maranhense Micael (nome fictício), 29 anos. O jovem, que já é reconhecido por amigos e familiares como Micaela (nome fictício) fez a cirurgia de readequação sexual em 2002 e agora aguarda a retificação de registro civil. A ação, de autoria do defensor Marcelo Ramos, foi encaminhada à Vara de Família de São Luís.

Segundo o defensor público, a interessada possui uma identidade de gênero diferente da designada em seu registro de nascimento, o que lhe causa constrangimento e uma série de situações vexatórias. “À luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é necessária a intervenção da Justiça a fim de que seu registro civil passe a expressar sua verdadeira condição psíquica, física e social”, esclarece Marcelo Ramos.

Micael nasceu com o órgão genital “trocado”. Foi registrado com a determinação de gênero masculino, somente após dois anos. Pais e médicos aguardavam uma definição de sua identidade sexual. Por 12 anos, viveu como menino. Para disfarçar os seios que cresciam, usava uma faixa de tecido sobre os mesmos. Na escola, ir ao banheiro sempre era motivo de muita confusão e constrangimento. O uso do banheiro feminino a levou por várias vezes à diretoria, até Micael ter adquirido coragem de expor seu problema à diretora.

Tomou testosterona (hormônio masculino) por vários anos, mas “insuficiente para inibir as fortes características físicas e psicológicas femininas que eu apresento”, acrescentou Micael, que por um longo período ajudou os pais nas tarefas de uma oficina mecânica e em outras atividades culturalmente desenvolvida por meninos.

De acordo com a jovem, os pais só aceitaram sua condição sexual e psicológica após diagnóstico definitivo do médico que a acompanhava. Os parentes mais próximos como tios e primos, no entanto, não tiveram o mesmo entendimento e até hoje a discriminam. Aos 21 anos, a cabeleireira, musicista e artista plástica submeteu-se a uma cirurgia de readequação sexual.

O procedimento foi realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) após rígidos critérios, pois o mesmo é irreversível. Entre as exigências está o acompanhamento do paciente por uma equipe multidisciplinar constituída por psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social durante período mínimo de dois anos.

Hoje aos 29 anos, decidiu procurar a Defensoria Pública para enfim poder ser chamada de Micaela, como se reconhece. “Quando fiz a readequação do sexo buscava corrigir uma anomalia, mas hoje estou em busca da minha felicidade. Não terminei a faculdade e nem fiz outros cursos que tanto desejo. Tudo isso para evitar situações vexatórias. Imagine eu, com todas as características femininas, de saia e batom, ser chamada pela atendente do consultório médico, em alto e bom som, de Micael. É horrível”, lamentou.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Quem é que está sujo?

As duas histórias a seguir são reais:

João tem 17 anos. No começo da adolescência ele teve uma namorada que acabou se convertendo em melhor amiga quando ele assumiu para si que na verdade gosta de meninos. Não foi fácil, claro, quase nunca o é para ninguém. Sozinho e sem ter com quem contar fez as coisas da forma como podia e aprendia na rua: andando pelo gueto. Foi assim que aos 14 anos perdeu a virgindade com um homem de 40 anos em um banheiro público qualquer dentre os tantos que freqüentou. Hoje, sente-se sujo e com vergonha do que fez, mas para ele, o tempo passou. Está feito. Não há mais como desfazer os hábitos que o fazem sentir-se assim. Para ele ficou apenas o infindável desejo humano de recomeçar, mudar os hábitos, mas a memória não se apaga, não é mesmo?

José tem 23 anos. Na infância, aos 7 ou 8 anos, não se lembra ao certo, foi abusado sexualmente por um amigo da família. Com isso ele desenvolveu alguns traumas. Tem dificuldades em confiar nas pessoas, não tem uma vida sexual satisfatória e não faz a menor idéia de onde, como ou com quem teve sua primeira transa de verdade. A confiança em si, nos homens, sua auto-aceitação. Foi tudo muito traumatizante e difícil de consolidar-se, pois sempre lhe vinha à mente aquela tarde. Ainda hoje ele sofre com a dificuldade de relacionar-se com outros homens por não conseguir confiar plenamente em suas intenções. Seja relação amorosa ou sexual, são poucos os momentos de entrega total. Ainda há o medo de que se repitam os fatos daquela tarde.

O que você tem a ver com isso? Tudo. Ou muito, no mínimo. Enquanto luta contra a concessão de direitos básicos como o casamento civil, a adoção homoparental ou a criminalização da homofobia, você esquece todos os dias que também não são garantidos a outros milhares de Joões, Josés e Marias um direito natural: o de se relacionar saudavelmente.

Em banheiros públicos, becos escuros, matagais, cinemas pornôs, saunas, boates, meninos e meninas se arriscam todos os dias fazendo sexo sem segurança, sem proteção, sem condições mínimas de higiene e sem saber exatamente as conseqüências que isso pode trazer. Muitos pais, se descobrem esse tipo de atitude, ajudam a empurrar ainda os filhos para a vala úmida dos guetos expulsando-os de casa ou os agredindo verbal e fisicamente ou os dois.

E sempre há quem diga que “esses adolescentes fazem isso por que gostam”. Nessa etapa da vida essa é a única opção para eles. Imagine você, pai e mãe de um jovem gay, ou você que apenas diz não gostar dos meus, ser obrigado a transar, na maioria das vezes, em ambientes deploráveis tendo que descobrir o prazer em meio ao barulho das descargas dos vasos sanitários, da confusão de odores fétidos, do receio de ser descoberto e exposto ao ridículo pelo segurança do shopping, do medo de ser atacado por um bandido que espreita da rua mal-iluminada.

Imaginou? Então me responda se seu filho merece isso. Se alguma pessoa merece passar por tudo isso justamente na fase da vida em que está descobrindo a si, a seu corpo, ao outro e ao corpo do outro, aos seus sentimentos, desejos e ainda tem que lidar com a auto-repulsa por ser diferente. Pense e diga se você gostaria de ter trocado aquele momento inesquecível com a namoradinha do colégio no quarto dos pais em um domingo em que estes passaram o dia fora por uma transa de 10 minutos em um cinema pornô sendo observado e tocado e assediado por inúmeras outras pessoas.

Talvez você não perceba ou não admita, mas uma parte da culpa que João e José carregam hoje é sua responsabilidade. E você continua criando outros tantos jovens assim quando aponta e ri de algum gay na rua, quando torce o nariz para ele, quando diz que seus atos são pecaminosos, quando diz que sua sexualidade é uma opção, mas não lhe dá a opção de escolher com quem ele quer dividir momentos únicos e importantes da sua vida. São eles que se sentem sujos, mas o tapete embaixo do qual se esconde a sujeira é você!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cartas pra ninguém (?!) - parte I

Eu gosto de lhe dizer coisas bonitas e que lhe encabulem

E gosto de quando sua face fica vermelha de vergonha.

Eu gosto do seu ronronar ao meu ouvido,

Pois é quando sua barba roça em meu pescoço.

Eu gosto da doçura com que me olha

E mais ainda da sua forma de falar ao me chamar de ‘doce’.

Eu gosto do seu jeito meio bichinho

E do seu desengonçado jeito bobo de ser psicopata.

Gosto do poema que ele me prometeu, fez e não mostrou.

Eu gosto de tudo que já imaginei com ele

Que nunca vi ou ouvi ou senti, mas sei que gosto ainda assim.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Limpando gavetas

Tenho no meu quarto uma cômoda bem antiga. Mamãe a comprou quando montou o meu quarto, após uma reforma feita aqui em casa. Eu tinha por volta de 10 anos. Hoje tenho 23 e nesse tempo todo foram poucas as vezes que tirei as gavetas para limpar, pois como não guardo nada de uso muito freqüente nela, não me preocupo em fazê-lo. A maioria das vezes em que o móvel foi faxinado foi pela minha mãe.

Então, na última semana de 2010, depois de mamãe muito insistir, resolvi faxinar a bendita cômoda. Tirei gaveta por gaveta, item por item que estava guardado lá e constatei, contrariando mamãe, que não havia ratos, baratas, aranhas, traças ou qualquer animal indesejável. Mas isso se deve ao fato de mamãe está sempre atenta à assepsia da casa com constantes dedetizações.

Mas algumas gavetas não são tão limpas assim e muito menos fáceis de limpar. As mais importantes gavetas ficam, por vezes, tanto tempo fechadas que apodrecem com a umidade, a ação do tempo, viram hábitat de ratos, baratas, aranhas, cobras, traças, cupins e, perdendo a serventia, ficam lá, anos a fio, esquecidas no canto qualquer da casa onde ninguém possa vê-las.

Acontece que o mofo impregna o ambiente. Os ratos fazem barulho, chamam atenção para sua presença e as aranhas e cobras estão sempre à espreita para a qualquer momento te surpreender no meio da noite. Sendo assim, em dado momento o móvel, antes esquecido naquele depósito escuro, começa a incomodar e faz-se necessário pô-lo fora, mas antes é preciso verificar gaveta por gaveta, item por item guardado lá, o que ainda pode ser aproveitado.

Mas nem todo mundo possui estômago para ratos, baratas, cobras, aranhas e outros animais asquerosos. E eles quase nunca querem deixar o conforto daquela mobília velha pacificamente. É por isso que é tão difícil abrir certas gavetas, pois os ratos, as aranhas, as cobras, as baratas cairão sobre você lutando pelo direito de permanecerem lá. Então se desiste de limpar o gaveteiro. É condenável não querer sentir a dor das mordidas?

Outro motivo para não querer abrir o antigo móvel é que nele estão guardadas coisas das quais se queria distância. Um bibelô que não faz mais parte da decoração. Um cobertor que não acalenta mais. Uma camisa que não cabe. Um pão que não mais alimenta. Um diário que não se quer mais ler.

Então como lidar com a necessidade de limpar as gavetas e ao mesmo tempo querer evitar a dor que isso trará e não querer se sentir sujo outra vez?