sábado, 2 de outubro de 2010

Contrato Social II - a disseminação de um pensamento

“Aquilo que o publico realmente abomina na homossexualidade não é a coisa em si, mas o fato de ser obrigado a pensar nela.”

E. M. Forster

Eu já falei sobre o tema no texto “Contrato Social”, mas hoje gostaria de discuti-lo novamente, dessa vez, sob outra ótica: a de um exemplo claro da tentativa da perpetuação de um pensamento. Não que eu desacredite, agora, em tudo que disse antes, mas acho que esse texto é bom complemento daquele. Por isso, leiam o texto anterior, depois a reportagem linkada abaixo e por fim minhas considerações acerca de tudo e tirem suas próprias conclusões. Se puderem compartilhá-las comigo comentando no blog, melhor ainda. Boa leitura.

 

Na sua edição do dia 12 de maio desse ano, a revista Veja publicou a seguinte reportagem especial: “A geração tolerância: os adolescentes e jovens brasileiros começam a vencer o arraigado preconceito contra os homossexuais, e nunca foi tão natural ser diferente quanto agora. É uma conquista da juventude que deveria servir de lição para muitos adultos.” A reportagem é antiga, mas essa discussão é sempre atual.

Com tocantes e felizes histórias de jovens gays que conseguiram vencer o preconceito familiar, a reportagem conta como diversos jovens 'vivem livremente' (!!!) a sua sexualidade, ressaltando a discrição como pré-requisito para a aceitação. Em um dos trechos da reportagem pode-se ler que “declarar-se gay em uma turma ou no colégio de uma grande cidade brasileira deixou de ser uma condenação ao banimento ou às gozações eternas”.

Ora, é bem verdade que muitos avanços no combate ao preconceito já foram alcançados, mas essa é uma realidade vivenciada pela imensa minoria dos gays em nosso país. Não que a reportagem seja no seu todo ilusão, mas passar isso com a realidade atual de todos os gays e da sociedade em relação à homossexualidade é no mínimo hipocrisia. Basta perguntar sobre isso e de cada 10 entrevistados, com toda certeza, pelo menos 8 afirmarão que sofrem com a discriminação em casa, na escola, na universidade, no trabalho, ainda que de forma velada.

Nos últimos meses tive excelentes conversas com a @lilahleitora e o @AndreV_ sobre algumas das diversas questões que permeiam o “mundo LGBT” e um dos pontos que mais discutimos foi justamente essa aceitação e liberdade vividos por essa jovem geração de homossexuais e sempre chegamos ao mesmo questionamento: o que vivemos hoje é, realmente, a era da aceitação ou do comodismo?

Eu tenho 22 anos e há pouco mais de um 'assumi' definitivamente que sou gay – mas sobre isso dedicarei um post futuro – e não percebo que essa seja uma questão que seja vista com tanta naturalidade quanto prega a Veja em suas páginas ou diversas outras reportagens de rádio, TV, jornal; na verdade o que há é justamente um camuflamento, por parte da maioria das pessoas – gays e homofóbicos – desse sentimento.

Para muitos gays é uma grande conquista poder ir ao cinema, shopping, praia e outros locais públicos – que não os ambientes LGBT – com seu namorado, e de fato é, mas a maioria dos casais gays que conheço comporta-se, em público, como um casal de amigos, se eles fogem dos estereótipos gays, não há quem diga que algum tipo de relação amorosa entre ambos.

E esse tipo de postura não só é bem-vista como incentivada pela sociedade. Quantas vezes já não ouvi “o fulano é gay, mas é sério, ele não demonstra isso para ninguém”. E já ouvi de muitos gays o seguinte: “eu sou discreto, não preciso esfregar minha sexualidade na cara de ninguém para ser respeitado”. Oras, acontece que isso não é aceitar e não é assim que acabaremos com o preconceito. Isso é apenas uma forma de não tratar o assunto.

Quer dizer que eu preciso reprimir-me em público para ser respeitado pelos outros? Um homem heterossexual é mais respeitado se esconde essa sua condição? Deixar de dar um beijo no meu namorado em plena praça de alimentação de um shopping é o caminho ideal para que as pessoas entendam que toda forma de manifestação de carinho é válida? Eu não devo “esfregar” minha sexualidade na cara das pessoas, mas sou obrigado a ter um casal hétero sentado ao meu lado no cinema se beijando como se fizesse sexo? A resposta para todas essas perguntas é NÃO!

Mas na ânsia de serem aceitos a maioria dos jovens gays caem nesse poço e não percebem que estão apenas deixando de serem vistos, inclusos, mas sendo empurrados para um novo estereótipo de gay: o gay discreto. “Ora, não me exponha suas vergonhas que nos daremos bem” é assim que percebo que somos encarados pela, ainda, maioria das pessoas com as quais convivemos. Estamos sendo absorvidos pela multidão, nos tornando invisíveis e o que é pior: por vontade própria.

Pior ainda é o fato de muitos gays criticarem aqueles que na contramão do comodismo, lutam diariamente pela garantia de todos exercerem seus direitos que são cerceados todos os dias. É no mínimo contraditório que todos os gays queiram ter ou adotar filhos, casarem-se, serem respeitados, mas nada fazem por isso. Apenas sentam-se e esperam que a sociedade os receba de braços abertos.

Não estou aqui dizendo que temos que ir às ruas marchando e gritando contra a homofobia. Somente isso não resolverá. Mas é preciso que percamos o medo de sermos gays, perder o medo do estigma. E daí se nos apontarem na rua ao nos verem de mãos dadas com o nosso namorado? Mas é preciso mostrar que a homossexualidade é tão natural quando o nascer do sol todas as manhãs.

Tendo em vista toda a dificuldade de ser gay em um mundo tão hostil à causa, não soa razoável que alguém escolha, voluntariamente, ser gay. A única escolha está em se aceitar e vivenciar a própria sexualidade. Renunciar a tudo isso e fingir ser algo que não se é também é uma escolha. Tentar coibir os excessos praticados contra aqueles que têm uma orientação sexual diferente da maioria não é benesse, não é um prêmio, não é um superpoder. É tratar um homossexual pelo que ele é: um cidadão.

O que se pode compreender, segundo a matéria da Veja, é que nós, os gays, somos os culpados por toda a discriminação que sofremos, em especial os militantes.  Esqueçamos a PCL 122, as paradas, essa baboseira toda de luta pelos direitos. Na verdade, as pessoas nos amam. O mundo é cor-de-rosa. Viva a alienação!!!

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo post. Vc esclarece muita coisa

Lilah disse...

Por mais que a gente converse sobre isso parece que não conseguimos esgotar o assunto.
Eu acredito que uma das melhores formas de fazer valer os direitos gays seja uma revolução silenciosa e feita de pequenos gestos, que nasça de dentro para fora na não aceitação desse tal comportamento discreto.

Jock Dean disse...

Esse assunto pode ser debatido sob diversas óticas e as conclusões são diversas.
Nando, obrigado por acompanhar o blog.
Lilah, é preciso fazer uma grande revolução cultural antes de tudo, sobretudo entre os próprios gays.

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