quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O musical virginiano de Marina

ce Eu analiso tudo e me pergunto: quero a verdade ou quero amar?
(Marina/Antônio Cícero)

Após o lançamento do Todas, Marina viveu o auge do seu sucesso artístico e da sua popularidade. Sempre inquieta, ela decide desacelerar as guitarras do Todas Ao Vivo e analisar o que havia feito até ali. Assim, já consagrada como a maior cantora dos anos 1980, símbolo de canções autorais e de novas sonoridades, Marina lança em 1987 o LP Virgem com o refinamento indispensável a uma pessoa que analisa profundamente o sucesso.


Analisar, aliás, é o verbo dos nascidos sob o signo de virgem. Marina é virginiana, talvez por isso a escolha do nome do disco e sua canção-título. Àquela época a cantora afirmava estar conjugando o verbo "estamos", o pronome "nós" - referindo-se a sua parceria com o irmão e poeta Antonio Cícero.


Produzido em apenas 35 dias, o álbum, na esteira do sucesso do anterior, vendeu 250 mil cópias antes mesmo do lançamento e trouxe uma nova sonoridade, mais madura e direta feita pela cantora, compositora e arranjadora, rendendo-lhe importantes prêmios.


Uma das principais características dos álbuns de Marina é a intertextualidade das suas canções e nesse disco isso aparece de uma forma tal que ele poderia ser o roteiro de um musical. A nossa protagonista, de cara limpa e despojada na capa do LP, canta as incongruências de um coração apaixonado. Quem sabe uma metáfora mariniana para as (in)certezas da sua quase primeira década de carreira.


Iniciando sua narrativa musical, Marina como uma virginiana, analítica em suas considerações, afirma em “Pseudo-blues”: dentro de cada um tem mais mistérios do que pensa o outro. Na segunda canção, “Zerando”, a constatação: não basta seu corpo aceso para zerar todo medo. Virginianos são racionais até mesmo no amor e apaixonada, mas matemática, dispara em sua versão para “Preciso dizer que te amo”: nessa novela não quero ser teu amigo.


Mas a vida real é ainda mais dura que ela pode imaginar, afinal “Hearts” podem sim quebrar e mais virginiana que nunca, sentencia em “Preste a voar”: eu analiso tudo e me pergunto - quero a verdade ou quero amar?. Resignada, faz outra pergunta: As coisas não precisam de você. Quem disse que eu tinha que precisar?. Assim, com esses versos, que poderiam ter sido entoados em uma madrugada insone e de uma náusea Sartreana, os iniciais da canção “Virgem”, ela responde-se a questão anterior.


Não. Ela não precisa. Ela pode e quer viver de forma intensa. O mote perfeito para, passada a noite de insônia, ao acordar na manhã seguinte gritar em “Uma noite e meia”: essa noite eu quero te ter,toda se ardendo só pra mim!. Uma noite e meia. Oito e meia. Eu disse que esse disco poderia ser o roteiro de um musical e isso requer uma trilha sonora apurada. Virgem traz uma trilha sofisticada. Sendo assim, no musical protagonizado por Marina, temos Felline como diretor, afinal, pousos filmes tiveram uma trilha tão bem apurada quanto os dele.


Mas Marina é metódica. É virginiana e gosta de acompanhar todo o processo de produção dos seus discos e logo discordaria do seu diretor. Em “Doce espera”, diferente de Doce vida, ela resmungaria: a vida é dura quando se espera alguém. Mas antes disso, em “Confessional”, sorrateiramente reveladora, a gata todo dia, diria: me leva pra casa e vê quanto prazer eu posso te dar, é só você querer.


Até que no fim, assumindo os passos da sua trajetória, conclui em “Eu negar?”: o tempo vai passando, mas ás vezes passa e ainda fica atrás daquela mal contada história de amor.


Um musical. O musical do crepúsculo de uma vida movida pelas paixões. Assim eu defino este LP. Um dos meus preferidos entre todos os lançados por Marina. Da sua safra de 1980, é este o disco de Marina em que eu me encontro despido bibliograficamente.


Eu sinto o quanto a vida pode ser dura quando se espera alguém. Em um longo período sem água no meu coração, quantas vezes me perguntei se queria a verdade ou amar e nos últimos meses meu coração quebrou-se inúmeras vezes por eu querer ser mais que amigo de um certo alguém. E assim meu tempo vai passando na esteira das minhas mal contadas (e vividas) histórias de amor. Hoje procuro por outros olhos e armadilhas.


A canção-título do LP - uma composição de Marina e Cícero - é desde sempre a canção definitiva da dupla. “Preciso dizer que te amo”, escrita por Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto, nunca foi tão sensual, misteriosa e envolvente quanto quando cantada por Marina e garantiu a ela o prêmio Sharp de música como melhor intérprete.


O álbum rendeu a Marina também os troféus de melhor cantora pop/rock e disco do ano. O álbum Virgem, abraçado por público e crítica, teve ainda o maior hit do verão daquele ano: “Uma noite e meia”, que criou polêmica por sua – para os padrões da época – ousada letra. Canções não tão conhecidas como “Pseudo blues”, “Hearts”, “Prestes a voar” e “1º de Abril (Eu negar)” merecem sempre uma nova conferida. Por fim, esse disco apresentou uma Marina sensual, corajosa e reveladora.
Se quiser saber mais sobre a carreira de Marina, leia os demais textos do Especial Marina Lima. Abaixo, você pode ouvir alguns clássicos desse álbum.
Uma noite e meia

Virgem

Preciso dizer que te amo (Especialmente pro @AndreV_)

1 comentários:

Phellipe disse...

Fico muito feliz ao perceber que você aprendeu tudo que eu lhe ensinei sobre a Marina. Tenho acompanhado todos os posts sobre ela e me surpreendo a cada um. Esse sobre o Virgem foi o melhor de todos até agora. Lembro de você a cada canção que ouço em qualquer dos discos dela. Estou ansioso pelo post sobre o Pierrot. Esse disco é especial para nós dois. Preciso dizer que te amo?

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